«Shakespeare e Cervantes: 400 anos depois da morte»
William Shakespeare e Miguel Cervantes terão morrido no mesmo dia, 23 de Abril de 1616.
Nesse dia (23 de Abril) e por essa mesma razão, assinala-se o dia mundial do Livro.
Este ano de 2016, para além do dia, assinalam-se os 400 anos da morte de dois grandes escritores e a Biblioteca Municipal relembra, em duas criações distintas, estes autores.
1 de Outubro, 22h
"Fragmentos de Dom Quixote" - baseado na obra de Miguel de Cervantes, Dom Quixote de la Mancha
Encenação de Sandro Colaço Pires
22 de Novembro, 18h00
"Somos Feitos da Matéria de que são Feitos os Sonhos" - conferência com João Garcia Miguel, moderada por Tela Leão
"Burger King Lear" - projeção do filme, produção bilingue da Cia João Garcia Miguel, uma releitura da peça de Shakespeare
Org: Partilha Alternativa
“Shakespeare e Cervantes: 400 anos depois da morte"
In: Expresso, 23/04/2016
Como são loucos os mortais!”
William Shakespeare, Sonho de uma noite de verão
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“Há remédio para tudo, exceto para a morte.”
Miguel de Cervantes, Dom Quixote de la Mancha
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No dia em que William Shakespeare nascia, a 26 de abril de 1564 em Stratford-upon-Avon, Inglaterra, Miguel Cervantes ia já a caminho dos 17. Os seus caminhos não se cruzariam até à morte de ambos há (quase) exatamente 400 anos: no dia 23 de abril de 1616 William morria na sua cidade natal e Miguel em Madrid. No entanto hoje, 400 anos depois, há quem defenda que nem no último suspiro os dois autores foram coincidentes: os investigadores do escritor espanhol apontam para a possibilidade de este ter morrido no dia 22 (ainda que as comemorações oficiais se mantenham, para os dois, no mesmo dia).
Fora a partida que o destino lhes pregou (no mesmo dia?), o pai de Hamlet e o de D. Quixote de La Mancha parecem ter pouco em comum. O príncipe da Dinamarca é introspetivo e contemplativo, D. Quixote um pequeno fidalgo espanhol triste e idealista, que vai estabelecendo uma relação transformadora com Sancho Pança. A personagem de Shakespeare é descrente e trágica, tentando vingar a morte do pai; a de Cervantes tem uma fé incompreensível e é movida por um entusiasmo inesgotável. O primeiro fala-nos das fraquezas e da condição humana, o último põe em destaque os valores morais e a capacidade de transformação.
Hamlet, Julio César, Macbeth, O Rei Lear, Romeo and Juliet. Shakespeare escrevia pela arte de escrever, com um vocabulário riquíssimo e capaz de originar uma explosão poética de sons, sentidos e significados. Já Miguel de Cervantes, com Dom Quixote e Sancho Pança e darem corpo à sua obra-prima, é mais simples e despreocupado: escreve o que escreve, mais focado naquilo que escreve e conta do que na forma como o faz.
Apesar de serem homens de um mesmo tempo, tiveram vidas bem diferentes. Não só pelos meios onde nasceram e cresceram (Cervantes vinha de uma família com dificuldades económicas, aspeto que não era um problema para Shakespeare), mas também por aquilo em que se tornaram. O espanhol, soldado durante vários anos, perdeu a mão esquerda na guerra, tendo ainda sido cobrador de impostos, preso, noviço e, finalmente, escritor. Dom Quixote trouxe-lhe a fama, ainda vivo. Já o inglês, apesar de hoje a sua obra ser considerada universal, não teria o mesmo reconhecimento em vida: o teatro era, naquela época, uma arte menor e quando Shakespeare morreu nem sequer teria direito a cerimónias oficiais em Stratford-upon-Avon (como aquelas que assistimos nos dias hoje), nem a uma homenagem escrita ou palavras de despedida. A sua vida seria apenas reconhecida depois da morte.
Foi a morte que o imortalizou. Foi com o fim da vida que a sua obra ressuscitou aos olhos dos outros. Como já dizia o seu contemporâneo espanhol, pela boca de Dom Quixote, quando “uma porta se fecha, outra se abre.” Hoje, 400 anos depois, são várias as portas que se abrem na nossa memória.”
Maria João Bourbon