No Dia Internacional da Mulher, a Biblioteca Municipal, lembra uma mulher das letras
George Sand, mulher livre nas letras do século XIX
No jardim da casa de Nohant, onde nascera a 1 de Julho de 1804 a pequena Aurore Amandine Lucie Dupin, mais conhecida pelo seu nome literário, George Sand, havia quase sempre cenas curiosas. O pintor Eugène Delacroix tentando captar os cambiantes de luz nesta região de terra escura e povoada por gente sisuda. O compositor Lizst a ler um dos últimos discursos políticos dos escritores românticos à sua amiga George Sand. Alfred de Musset escrevendo a quatro mãos com a sua amante mais célebre. Chopin, perplexo perante a sua mais fogosa amante, de quem dizia haver nela "qualquer coisa de repelente" - o que não impediu o compositor de manter com ela uma relação de nove anos.
Passados [quase 220 anos], de George Sand resta apenas a recordação de uma mulher livre, coleccionadora de muitos amantes, que fumava charuto e se vestia de homem. Mas, na época, a escritora francesa era célebre em toda a Europa e inspirava Chateaubriand, Dostoievsky, Charlotte Bronte, e todos os autores do romantismo europeu.
Já no fim da vida, desenvolve uma amizade com Flaubert, que disse sobre ela: "Era preciso conhecê-la como eu a conheci para saber tudo o que havia de feminino no coração deste grande homem, a imensidão de ternura encontrada neste génio. Ela permanecerá como uma glória única.
"Casada com um homem mais velho, o barão Casimir Dudevant, em 1822, fugiu ao casamento nove anos depois, indo viver para Paris com o filho e a filha. Para a época, era uma iniciativa ousada. Data dessa altura o seu hábito de se vestir de homem - porque eram trajos mais baratos do que os vestidos. Mais ousado ainda, é graças à sua escrita que George Sand ganha a sua independência financeira.
Começa a escrever no jornal "Le Fígaro" nesse ano, e colabora em outras publicações, como a "Revue des deux mondes", onde se impõe graças a uma rápida percepção do funcionamento do mundo da edição, inteiramente masculino. Um ano depois começou a escrever um romance com o seu amante Jules Sandeau, que ambos assinam com o pseudónimo Jules Sand. Daí a escrever o seu primeiro romance sozinha, "Indiana", foi um passo rápido, dado no mesmo ano, e desta feita com o pseudónimo de George Sand. Em "Indiana", a escritora grita a sua revolta de mulher. Em todo o romance, sobressaem as imagens tortura, de prisão, a figurarem a condição de escrava de uma "mulher que espera apenas por um sinal para quebrar as correntes". Seguem-se os romances "Lelia" e "Valentine", e sucedem-se como amantes Alfrede de Musset e Frédéric Chopin. Nos anos 1830, George Sand sofria ainda a influência dos diversos autores que partilhavam a sua vida, mas uma década depois, encontrou o seu próprio estilo. Crente numa sociedade mais justa, a escritora pensa ver realizado o seu sonho de uma república social feita pelo povo quando rebenta a insurreição de 1848. Só que a rebelde que queria mudanças sociais irrita-se com a desordem das barricadas. Era em finais de Fevereiro de 1848, e as revoltas populares contra o regime autoritário de Luís Filipe são reprimidas a tiro pela tropa. A insurreição ganha toda a capital e em três dias, o rei, derrotado, é forçado a abdicar e a exilar-se.
"A arte não é um estudo da realidade positiva, é uma procura da verdade ideal", escrevia então a autora, antes de desertar Nohant para se instalar em Paris. George Sand coloca-se ao serviço do governo provisório, aparece nas janelas dos edifícios oficiais ao lado de Lamartine, e torna-se porta-voz de um gabinete feito de gente de letras que se imaginam a tecer os sonhos solidários do povo. Deste período, dirão os franceses, mais tarde, que "são as revoluções falhadas que fazem os romantismos conseguidos".
É neste momento de solenidade histórica que a vida privada de George Sand conhece novos sobressaltos. Depois de nove anos de cumplicidade, a escritora rompe com Chopin, convencida de que ele aceitara uma relação com a sua filha, Solange, na casa de Nohant.
As desilusões serão muitas, neste ano: o aparecimento de um regime burguês tocaria a finados pela revolução de Fevereiro e pela utopia política da escritora. Senado contra livros nas bibliotecas públicas Mas para o resto da sua vida, George Sand continuou a acreditar no ideal do socialismo.
Com a idade, passava o tempo a viajar e a escrever. "Trabalhar não é um castigo. É uma recompensa e uma força, uma glória e um prazer", notou então. Mas as suas obras - mais de 60 romances, peças de teatro e centenas de artigos e missivas - foram também sujeitas a controvérsia. O Senado francês opôs-se à presença dos livros de George Sand nas bibliotecas públicas, num reacção ao questionamento da autora sobre a identidade sexual e os destinos dos heróis nas suas novelas e romances. Mais revolucionário, a escritora reivindicava alto e forte a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Um ideal que George Sand, falecida em 1876, com 72 anos, lhe merece hoje uma admiração renovada por parte das novas feministas francesas e americanas.
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