O Vício dos livros
de Afonso Cruz
Mais um livro maravilhoso deste grande autor português.
118 páginas de curiosidades, reflexões e memórias e muito sentido de humor, Afonso Cruz dialoga com o leitor sobre diversas obras e escritores. Conta histórias de livros e de poesia “A poesia prende poetas, acidenta carros e afunda barcos” (é um dos textos)
Passo, um outro entre tantos:
“A morte, perante os livros, fica sem poder”
“ Em Jalan, Jalan, escrevi sobre um episódio especialmente espirituoso – contado por Rosa Montero, em A Louca da casa - , passado com uma escritora argentina Gabriela Cabal, sobre a possibilidade de a leitura, através da curiosidade do entretenimento, e da distracção, afastar a morte. Gabriela Cabal disse numa conferência que «um leitor tem a vida muito mais longa do que as outras pessoas, porque não morre até acabar o livro que está a ler. O seu próprio pai, explicava Gabriela, tinha demorado imenso a falecer, porque vinha o médico visitá-lo e, abanando tristemente a cabeça, garantia: “Não passa desta noite”; mas o pai respondia: “Não, nem pense, não se preocupe, não posso morrer porque tenho de acabar o Outono do Patriarca. “E, assim que o médico se ia embora, o pai dizia: “Tragam-me um livro mais grosso”.
«Enquanto isso, amigos do meu pai, que eram saudáveis, fartavam-se de morrer. Por exemplo, uma pobre senhora que só foi ao médico fazer um check-up já não saiu», acrescentava Gabriela.
«É que a morte também é leitora, por isso, aconselho a que andem sempre com um livro à mão, porque, quando a morte chega e vê o livro, espreita para ver o que estamos a ler, tal como eu faço no autocarro, e distrai-se.»
Devemos levar esta ideia a sério e não, como tantas vezes se faz, como uma historieta espirituosa sobre o milagre da leitura. Existem estudos para corroborar aquilo que deveria ser chamado de «efeito Xerazade»: um estudo de Yale (há mais, mas limito-me a este exemplo), realizado entre pessoas com mais de 50 anos, adianta que ler 30 minutos por dia fará viver, em média, mais dois anos. Se não for pelo prazer de ler, talvez devamos ler pela nossa saúde.”