"Os Anos"
de Annie Ernaux
O primeiro livro que li de Annie Ernaux, vencedora do prémio Nobel da Literatura em 2022, foi Os Anos. Autora, de 83 anos, que publicou algumas dezenas de livros.
O principal pensamento que tive foi sobre a vida, o tempo, como ele passa e o que deixa, o que de nós fica. Talvez com a idade essa reflexão esteja mais presente, não sei.
É esta passagem do tempo que leva a autora a escrever, pegando nas suas notas, fotos, objetos, que ajudam a fixar, numa narrativa pessoal, intimista e ao mesmo tempo coletiva, o tempo em que tudo se passou e como ela o sentiu: a segunda metade do século XX.
O livro é também (talvez, sobretudo) um testemunho de um tempo, um livro de memórias, de como era a o mundo dos adultos, das crianças, as guerras e a liberdade, o namoro, o casamento e a sexualidade.
A visão de Annie Ernaux, a sua vivência de experiências que ao ficarem registadas, podem perdurar.
A certa altura, no início do livro, a autora escreve, página 16 (edição Livros do Brasil, 2020): “…Tudo se apagará num segundo. O dicionário acumulado desde o berço até ao leito de morte irá desaparecer. Depois, o silêncio e nenhuma palavra para o dizer. Da boca aberta nada sairá. Nem eu nem mim. A língua continuará a pôr o mundo em palavras. Nas conversas à volta de uma mesa em dia de festa seremos apenas um nome, cada vez mais sem rosto, até desaparecermos na multidão anónima de uma geração distante”.
Na epígrafe do livro dois textos que enquadram esta ideia do passar do tempo, da vida de cada um no tempo, da finitude e do que fica do fixar / contar como foi.
“A única história que temos é a nossa e ela não nos pertence”
José Ortega Y Gasset
“Sim, seremos esquecidos. É assim a vida, nada a fazer. O que hoje nos parece importante, sério, cheio de consequências, pois bem, um dia vai cair no esquecimento, vai deixar de ter importância. E o que é curioso é que não podemos saber hoje o que, um dia, vai ser considerado bom e importante ou medíocre e ridículo (…) Até pode acontecer que esta vida de agora, que tanto defendemos como nossa, venha um dia a ser considerada estranha, desconfortável, imbecil, não seja suficientemente inocente e, quem sabe, seja até condenável.”
Antón Tchekhov