28.11.19

Exposição - "As Mãos nos Batentes das Portas de Tavira" por Alice Almeida



Os batentes de portas representando mãos encontram-se, com bastante frequência, na cidade de Tavira. Pelo seu aspecto, parece, na sua grande maioria, tratar-se de mãos originais, envelhecidas pelo tempo, muitas já sem pintura, em metal enferrujado. Encontramos também batentes com mãos de aspecto mais recente, bem elaboradas e em bronze, quer em casas restauradas, quer em algumas casas novas.
Observando os batentes, vemos que muitos deles representam mãos de mulheres - talvez por estas terem estado ao longo do tempo associadas à casa, ao mundo considerado feminino?
Outras representam mãos de crianças, visíveis pelo seu tamanho e aspecto –  mãos pequenas, arredondadas. As mãos adultas são longas,com os dedos delgados.
Umas e outras apresentam nos punhos folhos, apanhados por um laço ou uma espécie de pulseira. Algumas mãos possuem acessórios, como os anéis. Apresentam-se fechadas, normalmente com os dedos unidos e o polegar entreaberto. Seguram uma bola ou um fruto com o qual se bate na parte oposta, em metal. As portas podem ter 2  batentes, iguais ou diferentes, ou apenas um.
Quanto ao material, os batentes mais recentes são em bronze, mas a grande maioria, é feita de uma liga de ferro; vemos batentes de varias cores, desde o prateado, ao verde, preto, castanho, e, raras vezes,vermelho e azul; muitas vezes, os batentes combinam com a cor da porta onde estão colocados e a pintura das mesmas parece ser recente.
As mãos que aparecem com mais frequência são as prateadas, tanto adultas como infantis e possuem um modelo parecido.Tera havido um mesmo tipo de modelo que se repete numa determinada época?
Quanto às casas com batentes em forma de mão, verifica-se um pormenor importante  - tanto as mais requintadas como as mais humildes possuem essa forma de batentes - Isso poderá querer dizer que os mesmos não tinham nada a ver com a situação sócio-económica dos proprietários das casas, mas com o símbolo que representariam.

Autores de vários países debruçaram-se sobre esses batentes, tentando descobrir as origens dos mesmos, bem como as várias designações -  "Main de Fatma" ("Mão de Fátima"), Khomsa, Khamsa, Hamsa,  Kamis e Kemis, ou "Mao de Myriam".

A representação da mão em si foi encontrada, primeiro nas cerâmicas e pendentes de colares fenícios.
Nas escavações fenícias de Tavira, encontraram-se mãos desenhadas e pintadas, mas estilizadas. As mesmas foram encontradas pintadas ou incisas em portas, tapetes, telhas.
Segundo o autor Hafid Mokadem, a mão está associada à deusa Tanit e ao deus Ba'al, ambos deuses do Panteão Cartaginês.
Hamsa, significa cinco em árabe e designa a mão aberta.
Segundo alguns autores, referir-se-ia talvez aos 5 pilares do Islão? Cinco também é o número sagrado, tanto para os árabes como para os judeus.
Poderia também designar o mercado de quinta feira, quinto dia e chamar se de Khamis ou Khemis. Ou "Mao de Myriam"  que se pensa ser de origem judia.
Quanto aos batentes com mão fechada –  khomsas ou khamsas e as designadas "Mãos de Fátima" – tratar-se-à de vestígios islâmicos ou será uma ideia estética que ressurge mais tarde?
Encontram-se, com efeito,  no centro da cidade de Tavira, duas portas onde se pode ler a data em cima: 1854 e 1906.
O arqueólogo Cláudio Torres faz  referência à datação num dos seus textos e menciona a época provável do aparecimento ou reaparecimento das mesmas no século XIX, mas agora, sob uma nova forma.

A designação de "mão de Fátima", (Main de Fatma) é, segundo os autores Doutté, Probst-Biraden, Cláudio Torres e outros autores magrebinos, uma designação ocidental, francesa, da época colonial no norte de Africa, do século XIX.
Fátima é um nome frequente nas mulheres árabes, tal como se tornaram Marias todos os nomes femininos em Portugal. Segundo Cláudio Torres, o tipo de bijutaria com uma mão era muito utilizado pelas empregadas magrebinas, daí os franceses passarem a chamar todas as mãos de "Mãos de Fátimas", em francês, "Main(s) de Fatma(s)".

As escavações arqueológicas provam o aparecimento do símbolo da mão antes do nascimento das religiões monoteístas – caso da Fenícia, Cartago.
Este foi utilizado por diferentes civilizações e religiões - desde os fenícios, cartagineses, aos muçulmanos, judeus e católicos.
Por conseguinte, podemos dizer que, seja qual for a origem do símbolo da mão, dos povos e religiões a ele associados, parecem ver nele sobretudo um símbolo protector, profilático.
Quase todos os autores, tenham ou não utilizado a mesma designação – Mão de Fátima - chegam à conclusão que esta será antes uma mão simbólica e protectora:  é a mão que protege o interior da casa, a mão que nao deixa penetrar  o mau olhado, a inveja  e o infortúnio.
 Este tipo de batentes teve uma grande dimensão na bacia do Mediterrâneo, desde o Egipto, ao Magrebe e ao Algarve, encontrando-se em centenas de portas.
Em Faro, Estoi, Loulé, Tavira, Aljezur, Mértola, Beja, Évora e alguns outros pontos do país também se encontram batentes em forma de mãos
Na Tunísia, encontramos em Sidi Bou Said, perto de Cartago, em Tozeur, Jerba, Fez, Chaouan.  
 Esta mão, estilizada, passou também a ser divulgada como acessório de arte ou artigo turístico; uma "fantasia" que é vendida como símbolo protetor; isto, não só no norte de África como em Portugal, onde o encontramos na bijutaria - colares, brincos e pulseiras - e nos porta chaves, objectos decorativos e murais.

Alice Almeida é licenciada em Historia da Arte e Arqueologia,

Universidade de Lille III, França; tem o mestrado em Arqueologia, Universidade Sorbonne IV, Paris. Reside actualmente em Tavira.